Recentemente, uma situação complicada ocorreu em meu condomínio: a cooperativa que recolhia os materiais recicláveis simplesmente parou de fazer as coletas. Após anos de serviço regular, deixou de ser possível contar com esse apoio, e o condomínio tem encontrado dificuldades para contratar outra cooperativa que assuma essa função. A coleta seletiva, que já era parte da rotina de muitos moradores, está, aos poucos, sendo descontinuada, e os resíduos recicláveis estão sendo descartados com o lixo comum. Mas quem será o culpado por essa dificuldade?
Situação da reciclagem no Brasil
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), criada em agosto de 2010, já tem mais de 14 anos de existência. No entanto, o avanço no tratamento e reciclagem de resíduos no Brasil ainda deixa muito a desejar. A reciclagem efetiva no país continua engatinhando, sem uma infraestrutura sólida ou políticas amplamente eficazes que impulsionem o setor de forma sustentável.
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) apenas 4% dos resíduos sólidos que poderiam ser reciclados no Brasil passam por esse processo. Em contraste, países com economias semelhantes, como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, alcançam uma média de 16%, conforme a International Solid Waste Association (ISWA). Esse baixo índice de reciclagem não apenas representa um retrocesso ambiental, mas também um desperdício de oportunidades econômicas e sociais.
A Abrelpe revelou ainda que em 2019 que a ausência de uma reciclagem eficiente gera uma perda de aproximadamente R$ 14 bilhões por ano. Esses recursos poderiam fortalecer uma cadeia de trabalhadores que dependem diretamente dessa atividade. Catadores e cooperativas enfrentam uma realidade precária, muitas vezes sem infraestrutura ou apoio financeiro suficiente para realizar o trabalho de maneira adequada. No entanto, quem realmente está falhando nesse processo: o poder público, o setor privado ou a sociedade como um todo?
Reponsabilidade do poder público e da iniciativa privada
A resposta não é simples. O avanço da reciclagem no Brasil requer uma ação proativa do poder público, que deve se comprometer mais profundamente com a criação de incentivos econômicos e com a ampliação da infraestrutura necessária para o funcionamento das cooperativas. Muitas dessas cooperativas, que são responsáveis por uma parte significativa da coleta seletiva no Brasil, não possuem sequer veículos adequados para a tarefa. Isso significa que, mesmo que haja demanda, elas muitas vezes não conseguem atender a todos os locais que precisariam de seus serviços.
Além disso, a responsabilidade do setor privado não pode ser negligenciada. Empresas são as maiores geradoras de resíduos, e grande parte desses resíduos provém do consumo de seus produtos. Portanto, é fundamental que as empresas assumam sua responsabilidade na reciclagem e investam em processos de logística reversa, que permitam que os resíduos gerados retornem ao ciclo produtivo de forma adequada.
Certificados de Reciclagem
A boa notícia é que o governo brasileiro tem dado alguns passos importantes nesse sentido. Em 2023 o decreto n.º 11.413 lançou três novos certificados relacionados à Política Nacional de Resíduos Sólidos: o Certificado de Crédito de Reciclagem de Logística Reversa (CCRLR), o Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral (CERE), e o Certificado de Crédito de Massa Futura. Esses certificados têm como objetivo principal incentivar a não geração de resíduos sólidos e reduzir o desperdício de materiais, além de promover o aproveitamento de resíduos recicláveis e sua reinserção na cadeia produtiva.
O CCRLR, por exemplo, comprova a reintegração de resíduos ao ciclo produtivo e pode ser adquirido por fabricantes, distribuidores e comerciantes para atender às metas de logística reversa. Já o CERE certifica empresas que investem em projetos estruturantes voltados para a recuperação de materiais recicláveis. O Certificado de Crédito de Massa Futura, por sua vez, antecipa a comprovação de que as empresas atingirão suas metas de logística reversa, incentivando investimentos futuros na cadeia de reciclagem.
Esses instrumentos são promissores e podem ajudar a transformar o panorama da reciclagem no Brasil. Eles proporcionam um mecanismo de certificação que vincula os interesses econômicos e sociais à gestão ambiental, promovendo uma integração mais eficiente entre empresas, cooperativas e governo. No entanto, para que tenham o impacto desejado, é crucial que haja fiscalização e que o poder público continue investindo na implementação de uma infraestrutura adequada.
Fortalecimento dos Catadores
Além dos certificados, o governo também deu um passo importante ao recriar o Programa Pró-Catador, com o objetivo de fortalecer as associações e cooperativas de catadores, garantindo melhores condições de trabalho e promovendo a inclusão socioeconômica dessa classe. A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou que o trabalho dos catadores é fundamental para que os resíduos retornem ao ciclo produtivo, evitando sua deposição em lixões e reduzindo os impactos ambientais.
Em conclusão, a reciclagem no Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, e a solução envolve uma colaboração entre governo, iniciativa privada e sociedade. Os novos certificados de reciclagem são um avanço importante, mas é essencial que acompanhem políticas mais amplas e uma infraestrutura robusta que permita o crescimento sustentável desse setor. Enquanto isso, seguimos enfrentando situações como a do meu condomínio, onde a falta de opções para a coleta seletiva reflete a realidade de muitos outros brasileiros.
-> Clique aqui e acompanhe nossa seção de orientações para ajudar a mudar essa realidade
Fonte Imagem de Destaque: Freepik
Pingback: Participe da Consulta Pública sobre a Reciclagem de Plásticos no Brasil - Fonte Ambiental
Pingback: O que é economia circular? - Fonte Ambiental